terça-feira, 10 de agosto de 2010

QUARTO DE EMPREGADA - Silvio Amorim




Ainda não vi um estudo sociológico, mais profundo, nos dias atuais,sobre o papel da empregada doméstica na formação da família brasileira.


Essas mulheres, independentemente do grau de instrução, exercem uma grande influência nas patroas, patrões e filhos, normalmente alheios à importância dessa personagem central na vida familiar.

São dínamos silenciosos dos quais eles somente sentem falta quando param. Trazem uma


carga de experiência de vida, em geral, de muita luta e sacrifícios, diversa da realidade dos seus patrões.


Elas se afastam durante o dia ou por vários dias, de suas famílias, dos seus filhos, não tendo em suas casas quem as substituam, para cuidarem das famílias e dos filhos dos outros com toda dedicação e carinho. Em sua maioria, minimizam o banzo com eles.


Apesar da importância social e econômica da atividade, ora por abrigar mão de obra, ora por liberar os patrões para o mercado de trabalho, o tratamento dado a essas profissionais ainda tem resquícios da senzala, como registrou Gilberto Freyre em tempos idos, ao tratar das mucamas e amas de leite.


Identifico o quarto de empregada como o sinal mais evidente do tempo dos grilhões. Com raríssimas exceções, em geral esse quarto é minúsculo, muito diferente dos outros cômodos de dormir da residência. Por que?


Como as prefeituras aprovam construções com um cômodo denominado nas plantas "dependência de empregada" em condições subumanas? Algumas plantas de apartamentos, expostas para a venda ainda acrescentam "dependências completas". Completa é a alienação e explicita a discriminação com a atividade e com suas profissionais.


Após realização de pesquisa na área identifiquei como recomendado para um mínimo de conforto nos cômodos previstos para dormitórios, as seguintes medidas mínimas: 2,50 m x 3 m para um padrão popular 3 m x 3 m para um padrão baixo, 3 m x 3,50 m para um padrão médio e 3,50 m x 4 m para um padrão alto. Constatei que, normalmente as medidas dos quartos de empregadas estão distantes do recomendado para o padrão popular.


Não satisfeitas com o latifúndio doméstico, em geral as patroas ainda descarregam tudo aquilo que não querem ver, mas não querem descartar,adivinhem onde? No quarto da "Maria". Aquela louça, cheia de pedaços tirados, que era da mamãe: "Bota no quarto da Maria". A primeira bicicleta do Júnior, que relíquia: "Pendura no teto do quarto de Maria".
O pneu meia-vida, do carro de Paulo: "Encaixa debaixo da cama do quarto de Maria."


Enquanto o poder público não conseguir evitar a aprovação de construções com tais abusos e na impossibilidade de se ampliar o quarto da empregada, pode-se chamar um arquiteto, decorador ou desenhista e com imaginação e boa vontade tentar equacionar e racionalizar "a parte que lhe cabe neste latifúndio".

Quanto às quinquilharias da patroa, sugiro mandar parte para a casa da sogra, sempre com espaço e coração abertos, mas que ela não vá guardar também no quarto de sua "Maria".


» Silvio Amorim é advogado, foi diretor da Rede Federal de EducaçãoTecnológica do Ministério da Educação-MEC

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